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O Congresso Europeu – 2019 que está ocorrendo em Paris acabou de lançar uma nova diretriz sobre o manuseio das taquicardias supraventriculares (TSV), European Heart Journal (2019) 00, 1_65, atualizando o documento anterior, já bastante antigo, de 2003.
As recomendações foram divididas em classe I: recomendadas ou indicadas; classe IIa: devem ser recomendadas; classe IIb: podem ser consideradas; classe III: não são recomendadas.
Como falaremos bastante de fármacos antiarrítmicos, vamos fazer uma breve revisão da classificação de Vaughan-Williams a seguir:
O que mudou na diretriz de 2019 em relação a de 2003?
1. Manuseio das taquicardias de QRS estreito na fase aguda:
a) Verapamil e diltiazem eram classe de recomendação I em 2003 passando para classe IIa em 2019.
b) Os betabloqueadores eram classe de recomendação IIB, mas se tornaram IIa.
c) Amiodarona e digoxina não são mencionadas na diretriz de 2019 neste cenário.
Comentário Cardiopapers: neste cenário a cardioversão elétrica (CVE) permanece classe I quando há instabilidade elétrica. Na falha das manobras vagais, a adenosina (com doses de até 18 mg) é a droga de escolha. Os demais fármacos, bloqueadores de canais de cálcio e betabloqueadores são a segunda opção (classe IIa).
2. Manuseio das taquicardias de QRS largo na fase aguda:
a) A procainamida era classe I e virou classe IIa.
b) Adenosina era classe IIb e virou classe IIa.
c) Amiodarona era classe I e virou classe IIb.
d) Sotalol e lidocaína não são mencionados na diretriz de 2019.
Comentário Cardiopapers: neste cenário, a CVE é recomendada quando há instabilidade. Quando ainda não se sabe o diagnóstico da taquicardia de QRS largo (origem supraventricular ou ventricular), manobra vagal seguida de adenosina podem ser utilizadas para interrupção da taquicardia ou elucidação diagnóstica. A procainamida é a droga de escolha neste contexto em detrimento à amiodarona. Porém, é importante ressaltar que não temos mais procainamida no Brasil, sendo a amiodarona a droga de escolha.
3. Manuseio de taquicardia sinusal inapropriada:
a) Os betabloqueadores eram classe I e viraram classe IIa.
b) Verapamil, diltiazem e ablação por cateter não são mencionados na diretriz de 2019.
Comentário Cardiopapers: esta taquicardia costuma responder de forma bastante insatisfatória aos antiarrítmicos. Ivabradina isoladamente ou em associação com os betabloqueadores ainda são a melhor opção.
4. Manuseio da síndrome de taquicardia postural ortostática (SPOT):
a) Consumo de sal e fluidos eram classe IIa e viraram IIb.
b) Dormir com a cabeceira elevada, meias de compressão, betabloqueadores seletivos, fludrocortisona, clonidina, metilfenidato, fluoxetina, eritropoetina, ergotamina/octeotride e fenobarbital não são mencionados na diretriz de 2019.
Comentário Cardiopapers: as medidas comportamentais perderam força nessa diretriz. Se igualaram aos fármacos utilizados neste cenário, com indicação classe IIb.
5. Manuseio de taquicardia atrial (TA) focal na fase aguda:
a) Flecainide e propafenona eram classe IIa e viraram classe IIb.
b) Betabloqueadores eram classe I e viraram classe IIa.
c) Amiodarona era classe IIa e virou classe IIb.
d) Procainamida, sotalol e digoxina não são mencionados na diretriz de 2019.
Comentário Cardiopapers: os antiarrítmicos perderam força de indicação comprovando a baixa eficácia destes em relação à TA focal. A CVE é opção de escolha quando há instabilidade.
6. Manuseio de TA focal cronicamente:
a) Betabloqueadores eram classe I e viraram classe IIa.
b) Verapamil e diltiazem eram classe I e viraram classe IIa.
c) Amiodarona, sotalol e disopiramida não são mencionados na diretriz de 2019.
Comentário Cardiopapers: neste cenário a ablação por cateter é o tratamento de escolha.
7. Manuseio de flutter atrial (FLU) na fase aguda:
a) Pacing atrial ou transesofágico era classe I e virou classe IIb.
b) Ibutilide era classe IIa e virou classe I.
c) Flecainida e propafenona eram classe IIb e viraram classe III.
d) Verapamil e diltiazem eram classe I e viraram classe IIa.
e) Betabloqueadores eram classe I e viraram classe IIa.
f) Digital não é mencionado na diretriz de 2019.
Comentário Cardiopapers: esta diretriz confirma que o FLU é uma arritmia que não responde bem aos fármacos antiarrítmicos. A droga de escolha para reversão de FLU é o ibutilide (IV) ou dofetilide (IV ou VO intra-hospitalar) que não dispomos no Brasil. A propafenona utilizada por nós virou classe III, porém é importante ressaltar que é a opção disponível no Brasil junto com a amiodarona, e que quando formos optar por utilizá-la, um betabloqueador deve ser prescrito em conjunto.
8. Manuseio de FLU cronicamente:
a) Dofetilide, sotalol, flecainide, propafenona, procainamida, quinidina e disopiramida não são mencionados na diretriz de 2019.
Comentário Cardiopapers: aqui a ablação por cateter é o tratamento de escolha.
9. Manuseio da taquicardia por reentrada nodal (TRN) na fase aguda:
a) Amiodarona, sotalol, flecainide e propafenona não são mencionados na diretriz de 2019
Comentário Cardiopapers: manobra vagal seguida por adenosina (doses de 6mg até 18 mg) é o tratamento de escolha.
10. Manuseio da TRN cronicamente:
a) Verapamil e diltiazem eram classe I e viraram classe IIa.
b) Betabloqueadores eram classe I e viraram classe IIa.
c) Amiodarona, sotalol, flecainide, propafenona e “pill-in-the-pocket” não são mencionados na diretriz de 2019.
Comentário Cardiopapers: aqui a ablação por cateter permanece como o tratamento de escolha.
11. Manuseio da taquicardia por reentrada atrioventricular (TAV):
a) Flecainide e propafenona eram classe IIa e viraram classe IIb.
b) Betabloqueadores eram classe IIb e viraram classe IIa.
c) Amiodarona, sotalol e “pill-in-the-pocket” não são mencionados na diretriz de 2019.
Comentário Cardiopapers: o tratamento na fase aguda é idêntico ao da TRN e na fase crônica a ablação por cateter permanece como a terapia de escolha. Na recusa pela ablação ou na sua indisponibilidade, e não havendo pré-excitação no ECG, os betabloqueadores e os bloqueadores de canais de cálcio têm indicação classe IIa.
Amiodarona é classe III em FA pré-excitada. Porém, é a medicação disponível no Brasil. Sua infusão deve ser acompanhada por médico com desfibrilador ao lado. Considere CVE mesmo que o paciente esteja estável.
12. TSV na gestação:
a) Verapamil era classe IIb e virou classe IIa.
b) Ablação por cateter era classe IIb e virou classe IIa (quando ablação sem radiação é disponível).
c) Sotalol, propranolol, quinidina e procainamida não são mencionados na diretriz de 2019.
Comentário Cardiopapers: a CVE é segura nesta população quando há instabilidade, e assim como a adenosina, é classe I de indicação. Betabloqueadores seletivos B1 têm indicação classe IIa para controle de frequência ou reversão da arritmia. Digoxina têm a mesma classe de recomendação para controle de frequência. Amiodarona não é recomendada em gestantes para controle de TSV.